segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Náufragos

A minha lembrança dos construtores de miniaturas de barcos em Saigão é maravilhosa. Uma extensa rua cheia de vários artistas, com lojas estreitas e profundas cheias de belos modelos, perfeitos na sua minúcia, desde veleiros históricos a barcos de corrida clássicos. Cá fora, os donos das lojas eram vistos em plena ação construtiva. Por aqui perdi horas e há muitos anos comprei uma miniatura do ‘Normandie’ em madeira, um paquete dos anos 30 - que ainda hoje está lá em casa em cima de um piano ainda mais velho, só saindo no Natal para dar lugar ao presépio. Já me tinha interrogado onde poderia reencontrar-me com essa rua acriançada de tão boas memórias mas nem São Google me ajudou. Hoje encontrei o sítio quase por acaso, aqui mesmo ao lado do hotel a tomar café com um amigo vietnamita de outros tempos. ‘Lembras-te daquela loja onde compraste o barco?’. Tinha acabado de ficar descalço por 50,000 dongs (dois euritos), o jovem engraxador levando-me os sapatos e passando-me uns chinelos temporários e quando levantei a cabeça fui assolado por uma sensação de ‘deja-vu’: a ‘minha’ loja estava ali a 50 metros, tal como me lembrava dela e as fotos relatam. Mas estava só, a última sobrevivente de uma nobre linhagem, ali mesmo por trás da ópera de Saigão. O prédio antigo já rodeado de edificios modernos, as velas dos veleiros ainda enfunadas - mas por quanto tempo mais? Todos os vizinhos, aqueles lobos do mar de mãos encanecidas, são agora náufragos de uma cidade em profunda mudança.




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