terça-feira, 29 de junho de 2010

Sigurdardottir, Leosdottir, Monaco, helicópteros e Aljubarrota: tudo a ver com o Cristiano Ronaldo

Acredito que se possam sentir um pouco tontos, mas espero que compreendam. Afinal o Asteróide descreve órbitas pouco usuais e cruza-se (usando uma miríade de veículos, entre os quais, só nas últimas 24 horas, dois aviões da Portugália, um táxi da Côte d’Azur, as perninhas para andar a pé no Mónaco, um helicóptero da Heli Air Monaco e os olhinhos que Deus lhe deu para ler notícias surpreendentes nos jornais) com acontecimentos imprevistos com a mesma ligeireza com que o escriba vos impõe estes títulos loucos. Ou talvez não. Ou seja, talvez o título não seja louco, a sua estranheza se devendo apenas ao facto de o Asteróide se encontrar um pouco “mareado” pela paixão futebolística. Já nos aproximamos de Aljubarrota, hem, agora que a verve se desviou para o castelhano? Ora vejamos porque me ocorre escrever estas linhas neste momento, 15:55 no Monaco e na África do Sul, 21:55 em Singapura onde uma data de amigos se preparam para uma farra monumental, 14:55 em Portugal, enquanto um Fokker ronceiro sobrevoa Barcelona, devolvendo-me à Lusa Pátria mesmo a tempo do épico jogo de hoje. A cerca de quatro horas e meia de começar o Portugal – Espanha dos oitavos de final do Mundial 2010, estou para aqui feliz pela simples perspectiva de estar à frente de uma televisão a tempo do embate ibérico. Porque não era suposto ser assim…


A reunião que me levou às terras de Sua Alteza “Le Prince Albert du Monaco” (prestes a casar, embora pelo menos este facto não seja relevante hoje, ao contrário de tudo o mais no Cosmos) correu bem. Começou antes das nove da manhã e terminou antes do meio dia, com todos os objectivos profissionais cumpridos. O meu voo de regresso a Portugal estava marcado para as sete e picos da noite, mesmo a jeito para eu não ver boi do duelo ibérico, espremido numa cadeira (e logo sobre a Espanha!) enquanto o Cristiano Ronaldo, qual Brites dos tempos modernos, mandava os espanhóis para o forno (que é como quem diz, de volta aos planaltos áridos de Castilla La Mancha). Helas… Era meio-dia de hoje, estava numa rua do Principado a dez minutos a pé da bagagem que deixara no hotel. Apressei o passo de regresso ao Marriot enquanto falava com a minha agência de viagens, verificando que ainda havia lugar no voo da Portugália das 13:10. “Proponho o helicóptero por 105,00 EUR”, dizia-me a simpática colombiana na recepção minutos depois. Arrisquei. Afinal ia ficar por 105,00 EUR, mais barato que o táxi de Nice ao Mónaco na véspera, que custou 115,00 eur com gorjeta incluída! Calcorreei rapidamente mais uns duzentos metros até ao heliporto mesmo a tempo de apanhar o próximo heli (de 30 em 30 minutos) para Nice. Já no balcão da TAP, a moça “je parle pás le portuguais” que me atendeu torceu o nariz mas rendeu-se ao meu Francês de aflitos e lá me espetou no Fokker da uma e picos!

E aqui estamos, eu escrevendo a bordo, vocês lendo-me daqui a umas horas quando eu voltar a ter internet para publicar estas andanças no Asteróide. E tão bem disposto estava ainda agora que me pus a ler o Diário Notícias de hoje de manhã, distribuído a bordo. Se não fosse a motivação de ver o Ronaldo a reeditar Aljubarrota não me teria ocorrido apanhar o helicóptero no Mónaco, e sem ele não teria apanhado o voo a tempo em Nice, e não estaria tão bem disposto. Portanto só por causa do Ronaldo, de Aljubarrota e dos helicópteros do Mónaco é que fiquei a saber, no DN, que a senhora Johanna Sigurdardottir, Primeira-Ministra da Islândia, se casou. Com Leosdottir, claro. Que, já agora e apesar de irrelevante, é também uma senhora. E assim nasceu um título do Asteroide…

PS: aterrei, pulei para o carro, acelerei para o campo, mandei os emails que queria, dei um mergulho nu e agora vou colocar isto online. Depois vou ver o jogo! Um dia perfeito só poderá acabar bem…

domingo, 27 de junho de 2010

O calçadão do Índico e o destino do pobre Phinda Thomo


Durban. Para mim foi a última escala na África do Sul em 1992. Felizmente, para a selecção de Portugal no Mundial 2010, foi apenas uma passagem a caminho dos oitavos de final. Go Navegantes!

A foto trouxe-me de volta as memórias já ténues dessa altura. O calor húmido do Índico substituindo a frescura das vinhas do Cabo. A pátria Zulu da província do Natal com carradas de orgulho bem negro substituindo a a relativa "branquitude" da Cidade do Cabo. Um hotel sobre a praia, com um nome Índiano e empregados de turbante, para mim um luxo asiático a que não estava habituado. Se nessa altura já conhecesse o Rio de Janeiro, ter-me-ia atrevido a comparar, não a cidade pela cidade (sem comparação) mas a praia pela praia, o Beach Front de Durban com Copacabana, ambas dotadas de quilómetros de areal bordejado pelo calçadão. Valendo-me do Google Maps de hoje e comparando com o que vejo nas fotos que tirei da janela do meu quarto, depreendo que o meu hotel estava sobre a praia ali nas imediações de Snells Parade. O hotel terá eventualmente sido demolido ou mudado de nome, pois não encontro nenhum nessas imediações com nome hindu...
A história recente da África do Sul passa-me outra vez pela memória, desde o milagre do Madiba até ao lento desmoronar das promessas do ANC, cuja liderança tem deixado crescer de novo o medo e a incerteza relativamente ao futuro. Ao idolatrado Mandela sucede hoje o suspeito Zuma, polígamo encartado que dá cobertura a uma das personagens mais sinistras que ensombra a África do Sul de hoje: o louco Lulius Malema, líder da Juventude do ANC, que incita ao ódio racial através de cantigas com letras do género "kill the boer, kill the farmer". Devido à crispação provocada por Julius o assassinato do nazi Terre Blanch, antigo líder dos extremistas boers brancos que recentemente nada mas era que um bêbado sem eira nem beira, agitou o país muito mais do que deveria ter acontecido. E o Presidente? Zuma tem outras preocupações, por exemplo o facto de uma das suas mulheres lhe ter posto os palitos com um guarda-costas (de quem eventualmente engravidou). Já não bastava os 21 filhos de várias mulheres, agora está na iminência de sustentar outro que nem é dele... E lá terá que ser, pois o pai do rebento, coitado, "suicidou-se". Ou "suicidaram-no", como insinua o Vítor Serpa na sua crónica n'A Bola de 22 de Junho, onde esta história de palitos presidenciais foi contada. Sim, A Bola, ou vocês pensavam que a erudição do Asteróide vinha donde?!

É esta a África do Sul do Mundial de 2010: uma geração salva pelo Madiba está de forma invejosa a fazer o seu "melhor" para dar cabo da próxima... A ver vamos.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Nas vinhas da Boa Esperança muito antes dos sete-a-zero


O prometido é devido e cá estou montado de novo na máquina do tempo, de volta ao ano da graça de 1992 e aos locais onde a nossa selecção vai jogando o Mundial 2010. Eis-me na Cidade do Cabo, dezoito anos atrás, a fotografar a estátua de Bartolomeu Dias. E registando a toponímia pitoresca da cidade, aludindo a outra personagem Lusa de memória bem mais controversa (no mínimo...). Creio que a estátua ainda lá está, quanto ao outro não sei.

Quando dobrou o ex-Cabo das Tormentas em finais de 1487, o senhor da estátua ainda não sabia que 523 anos depois outros Navegadores lhe dariam uma abada na internet, seguramente muito mais lidos, conhecidos e reconhecidos pelo Tuga médio do que o nosso Bartolomeu Dias, graças aos sete-a-zero aplicados à Coreia do Norte ontem. Para todos os Navegadores, os de hoje e os de há quinhentos anos, os parabéns agradecidos do Asteróide.

Quanto a este, teve uma passagem mais modesta pelo local em 1992. Depois de ter passado uns dias em Port Elisabeth (Portugal 0 - Costa do Marfim 0, a semana passada), zarpou para a Cidade do Cabo (Portugal 7 - Coreia do Norte 0) onde passou uma temporada bem agradável, fez amigos e tentou perceber melhor o que se passava naquela terra numa altura em que o Mandela já tinha sido libertado, o De Klerk roía as unhas e o apartheid começava a ruir. Os brancos estavam nervosos, e com razão. Em Port Elisabeth eu tinha visto multidões de desempregados em esquinas escolhidas, esperando por um "empregador" que colhesse um ou dois para qualquer biscate. As empresas que ia visitando pareciam sem excepção verdadeiros Colditz , ensombradas por muros altos encimados por arames farpados e vigiadas por guardas armados. Na Cidade do Cabo os transportes públicos estavam entregues a um enxame de Toyotas Hiace pejados de gente que de forma um pouco anárquica iam daqui para ali até que todos tivessem chegado a um destino. Em contrapartida um jovem branco com uma função equivalente à minha, na altura, andava de Mercedes. Em Portugal acho que ainda guiava o Renault Super 5 da empresa. Super, atenção. Ou já era o Peugeot 309? De qualquer forma estava a uns 100 cavalos de distância do meu colega Afrikaans. Um casal Sul Africano de amigos, estes anglo-saxónicos e com filhas pequenas, moravam numa magnífica vivenda nos suburbios. Um "american dream" em África, para todos os brancos. Um outro casal, mas este de amigas, demonstravam como a sociedade branca da África do Sul no início dos anos 90 já era de certa forma tolerante e mais evoluída do que Portugal na mesma altura. Claro que falamos do Cabo, e não das paisagens Afrikaans muito mais conservadoras. No Cabo passeava pela Waterfront recém-inaugurada, algo parecido com as nossas "Docas" com uma década de avanço.

Resumindo: sentia-se o pulsar de um país cheio de força, mas cheirava a pólvora... Nos arredores do Cabo passeei pela região vinícola de Paarl, um paraíso com uma "cultura de vinho" ao serviço do turismo que só agora começamos a capitalizar em Portugal. Em Dezembro de 1992 provei em Paarl uma série de vinhos do mesmo ano: as vindimas tinham sido em Março... Enquanto o vinho escorregava não podia deixar de sentir um aperto, uma sensação de cataclismo iminente, de fim de época.
Hoje estamos em 2010. O Mundial de futebol tem lugar na África do Sul e o Cristiano Ronaldo finalmente marcou pela selecção. A África do Sul não implodiu. Um milagre aconteceu. E esse milagre tem um nome: Mandela. Quando hoje me sento no sofá a ver futebol e me lembro da minha experiência em 1992, não tenho dúvidas: um milagre. Negros, mestiços e brancos da África do Sul (principalmente estes últimos!) ficarão para sempre gratos ao feito de Madiba. O futuro continua incerto, mas pelo menos uma geração foi salva.
Até breve: sexta-feira chegaremos a Durban, ao quente e húmido Índico onde defrontaremos o Brasil!

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Na terra das vuvuzelas...

Foram 24 horas a voar até chegar a Port Elisabeth, África do Sul. Não, não fui ver o sensaborão Portugal - Costa do Marfim de ontem... Os voos de que falo, tal como esta foto de Port Elisabeth em 1992, datam de há dezoito anos atrás. Com as viagens pré-blog que mantem ignoradas em "armazém", testemunhadas por fotos em papel cheias de pó e riscos como esta que acabei de digitalizar, o Asteroide bem pode publicar umas coisas antigas sempre que a ocasião se proporciona. E que melhor razão do que descobrir que a nossa selecção joga a primeira fase do Mundial de Futebol 2010 exactamente em três dos locais por onde vadiei em 1992?


Portanto cá fica, para já, uma imagem de Port Elisabeth tirada em Dezembro de 1992, quase 18 anos antes do Ronaldo mandar um tiraço ao poste da baliza da Costa do Marfim algures aqui perto. A foto foi tirada com um olho aberto e outro fechado, numa praia infestada de tubarões e com um dedão do pé inchado. E com muito cuidado, pois os rolos de fotografias eram poucos e cada foto era preciosa (nada como agora, com o Asteróide a disparar digitalmente a tudo quanto mexe...). Tinha chegado uma hora antes, depois de voar de Lisboa para Londres para apanhar uma ligação mais barata para Joanesburgo. O 747 que me levou de Inglaterra à África do Sul demorou-se 14 horas nos ares, período em que não preguei olho porque uma senhora monstruosamente gorda se derramava sobre o meu assento duro, enquanto fumava cigarros após cigarros! Aquilo é que eram tempos raros... Em Joanesburgo ainda tive que apanhar um teco-teco que voava de forma soluçante para Port Elisabeth. Quando finalmente cheguei ao hotel... estava à beira mar e era Verão em Dezembro! Estas sensações acontecem-me nos dias que correm semana sim semana não, mas há uma maioridade atrás foi a estrear...
E o dedão? E o olho fechado? Bom. Apesar de estar mais morto que vivo, aparentemente já haveria um Asteroidezinho dentro de mim em 1992... Não resisti em sair do hotel imediatamente para dar um mergulho na praia, logo ali do outro lado da estrada. Vruumm, um carro quase me atropelava por estar a olhar para o lado errado num país de condução anglo-saxónica. Splash, ao primeiro mergulho lá se foi uma lente de contacto! Pumba, ao praguejar meio zarolho de volta à toalha mandei um pontapé descalço num pedregulho... Claro que só vi a placa "Cuidado com os Tubarões" depois de todas estas cenas...

Voltarei por aqui quando jogarmos em Cape Town.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Doce Junho e o fim do mundo

No post anterior bem me queria concentrar no viscoso relato da maré negra que na semana passada assolou a costa Sudeste de Singapura, mas a pena escorregava-me para o presente: o doce Junho que chegou a Portugal. Quando saí de cá há umas sete semanas atrás o sol só timidamente sobrevivia para lá das sete e trinta da noite, o tempo estava fresco, a latada que na foto de hoje vêm frondosa ainda estava despida, a gata ainda fugia dos cães e o dito da foto estava um pouco mais pequeno. E as tartarugas não tinham ainda fugido, nem o Matusalém dos peixes tinha morrido. Ou seja, num piscar de olho (um simples salto ao sudeste asiático complementado com uma escapadinha à Gringolândia) o meu pequeno mundo caseiro transformou-se irreversivelmente. Qual vulcão islandês, qual crise grega, qual euro fraco, qual PEC! O verdadeiro Sinal que o mundo vai acabar está todo nesta foto, em que a minha gata se prepara para passar ufana pelos bigodes do meu cão, com passo imperial a modos que de desprezo. E o pobre parece mirá-la em pontas dos pés, pronto a fugir ao mínimo assanho da rebitesa criatura, vergado ao papel de mero súbdito de Sua Alteza, Le Chat aqui da quinta.

Tirando este óbvio sintoma que o Armagedão está próximo e a morte do pobre peixe (às mãos de Sua Alteza, claro está...), tudo o resto parece na paz do senhor, tendo mudado para melhor. Embora não espere que as tartarugas me escrevam lá de Kathmandu, onde já devem ter chegado, a verdade é que a dispensa de alimentar suas excelências compensará as saudades. A vinha selvagem que compõe a latada cresceu súbita e desmesuradamente esta Primavera, a estrutura de madeira e arame que a carrega ajoujada ao peso de muito quilos de folhas e ramos que cresceram como nunca graças à água que a terra acumulou este Inverno. É bem agradável sentir o fresco desta sombra aqui na entrada da cozinha, quando as temperaturas já passam os trinta graus a maior parte do dia e este se prolonga quase até às nove da noite com luz solar. É um Junho doce, em Portugal.