quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

A herança de Torquemada: os Homens da Nação em Amsterdão



Shalom. Que quer dizer paz. Como em "shalom aleikehm" ("a paz esteja convosco", em hebráico). Ou em "assalamu aleikum", em árabe, que soa praticamente igual. Tão elaborados cumprimentos dos cultos árabes e judeus ibéricos intrigaram os bárbaros cristãos durante a reconquista, dando origem uma palavra bem portuguesa: "salamaleques"... E esta fusão árabe-judia-lusitana leva-nos a este post e às fotos acima, só possíveis graças à
resiliencia bíblica (literalmente...) de um povo. Vejamos...
Após a destruição do Templo (o Novo Templo, uma modernice de Herodes destinado a ultrapassar em dimensão o antigo templo de Salomão...) no ano 70 da nossa Era, o povo judeu espalhou-se pela Europa. A diáspora caracterizou-se pela formação de duas comunidades distintas, a dos judeus que fugiram pela Russia e a dos que se fixaram na Peninsula Ibérica. Estes últimos são os Sefarditas, e é por causa deles que hoje ainda se fala português em comunidades judaicas um pouco por todo o mundo, de Israel a... Amsterdão. O outro ramo acabou por se estabelecer durante a Idade Média na bacia do Reno. Ambos os ramos acabaram por se encontrar na tolerante Amsterdão em grandes números, ao longo dos séculos. Em 1939 estima-se que 80,000 judeus vivessem em Amsterdão, mais de dez por cento da população. Em 1945 já só restavam 5,000, depois dos nazis terem feito descer a noite sobre a Europa.
Mas antes do terror nazi já os judeus tinham enfrentado tempos e personagens muito difíceis. Os Sefarditas em particular começaram a ter problemas quando os primeiros reis Visigodos na Peninsula Ibérica se converteram ao cristianismo (o rei Recared foi o primeiro a obrigar a comunidade judia a converter-se ao cristianismo). Depois veio a bonança, com a conquista Árabe. Que ironia... Com excepção de alguns períodos, Judeus, Árabes e Cristão mantiverem uma profícua colaboração ibérica sob o domínio mouro nas artes e ciências durante vários séculos, ao ponto da lingua árabe ter nessa altura influenciado a própria gramática hebráica. Depois veio a reconquista e os problemas voltaram, principalmente nos reinos que viriam a formar a Espanha, sob o domínio dos reis Católicos e do seu Inquisidor-mor Torquemada. O ano de 1492 não foi só o de descoberta da América... Foi também o da queda do reino de Granada, último bastião árabe e também a casa de muitos judeus. Noventa a cento e vinte mil (!) judeus, na maioria "conversos" (cristãos-novos) fugiram de Espanha, dos quais trinta mil para Portugal, tendo com isto um impacto enorme na sociedade do nosso país. A comunidade judaica duplicou no nosso país, e atingiu os 60,000 (8% da população de então). Quando D. Manuel "obrigou" os judeus a converterem-se (uma condição da noiva, filha dos Reis Católicos...) criou simultaneamente condições para que estes preciosissímos recursos humanos se mantivessem por cá, ao garantir por lei que durante vinte anos não haveria Inquisição para "verificar" se as conversões eram genuínas. Na realidade tal lei acabou por ser prorrogada para lá dos vinte anos e foi preciso a chegada ao trono do "beato" D. João III em 1521 para que a comunidade de "homens da nação" (assim se auto-apelidavam os cristãos-novos na nossa terra) se começasse a sentir ameaçada. E tinham razão: em 1536 a Inquisição chegou a Portugal.
O poder e importancia dos "homens da nação"na sociedade lusa de então permitiu no entanto adiar o primeiro auto-de-fé até 1540. Algumas famílias começaram a deixar-nos nessa altura, mas mesmo após este evento dramático a maioria dos cristãos-novos resistiram por cá muito mais teimosamente que os seus avós em Espanha no século anterior. Isto segundo David Cohen Paraira - seria Pereira? - o autor do delicioso "The Esnoga" sobre a Sinagoga Portuguesa de Amsterdão que me serve de guia para muito do que escrevo hoje aqui.
Finalmente D. Sebastião desapareceu no nevoeiro e levámos com o Filipe II de Espanha em Portugal, em 1580. Para os Homens da Nação foi a gota de água e o início de uma fuga em massa. Primeiro para Espanha, onde tentavam passar despercebidos (sem sucesso...). Depois mais para norte. Amsterdão foi um dos principais destinos. Em 1598 celebrou-se em Amsterdão o primeiro casamento português em Amsterdão, entre uma Maria e um Manuel, claro (Maria Nunes Homem e seu primo Manuel Lopes Homem, ambos de de Ponte de Lima). Os pais da noiva eram acusados de "judaísmo" pela Inquisição e estavam presos em Lisboa, mas a verdade é que os noivos se casaram clandestinamente pela Igreja Católica, assumindo publicamente um comportamento religioso prostetante. Protestantes-novos, de facto católicos, e ex-judeus? Parece um jogo de sombras... O judaísmo não era proíbido em Amsterdão mas a o catolicismo sim!
A comunidade portuguesa de origem judia em Amsterdão creceu de tal forma no início do século XVII que a partir de 1670 construiu uma das mais imponentes e conhecidas sinagogas do mundo. A Esnoga. Foi aí que tirei as fotos acima, mais uma vez de fraca qualidade devido às minhas experiências com a máquina para evitar flash em sítios escuros... O que interessa, porém, é a mensagem. Hoje um pouco mais solene do que habitual no Asteróide, cá fica uma vénia à resiliencia do povo judeu e uma homenagem ao preço que pagaram por ela: os milhões de vítimas dos tiranos, do visigótico Recared ao sanguinário Hitler, passando por Torquemada.
Shalom.

Urinadelas avançadas


O que acontece às pessoas nas sociedades modernas quando estas evoluem, evoluem, evoluem? Pelo menos em Amsterdão a resposta é simples: acabam a urinar pelos cantos, à vista de toda a gente, noite e dia, mesmo quando um tuga tarado anda por ali a disparar a câmera fotográfica de forma incontinente. Claro que o facto de serem avançados a este ponto não significa que os holandeses gostem de ser fotografados no acto, daí as fotos que vos apresento: granuladas pelo ISO elevado que seleccionei e pela distância a que as tirei. Mesmo assim, o senhor que dentro da jaula verde aqui vêem de coisa na mão apercebeu-se que estava a ficar famoso. E não gostou. Saiu de lá com ar de poucos amigos, pelo que me disseram. Eu não vi, já estava a assobiar para o lado e a tirar fotos ao mercado de flores flutuante ali perto, para disfarçar...

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

O Reino das Bicicletas





Apesar das peripécias da última semana já depois de passar pela Holanda, em termos de blogosfera ainda não arranjei tempo para sair de Amsterdão... Isto apesar de já estar em Portugal há cinco dias, onde consegui chegar fugindo da neve. Em Amsterdão os brancos flocos chegaram na segunda-feira da semana passada, mas não foi o suficiente para me impedir de voar para Inglaterra nesse dia e daí pular para a Escócia na quarta-feira. Em Aberdeen a neve quase me caçou... Mas lá me safei e cheguei a Portugal na quinta-feira, com duas horas de atraso devido ao caos de Heathrow onde fiz escala. Sei hoje que foi mesmo a tempo! Mais uns dois dias por lá e ainda passava o Natal no aeroporto do mundo que mais odeio...

Por enquanto, meus amigos, têm de aturar mais uns estereótipos antes de Amsterdão vos deixar da mão... E cá vão umas fotos a fazerem jus a um dos três mais afamados estereótipos da capital holandesa: bicicletas em barda. "Bicacity" poderia ser uma alcunha de Amsterdão, tal como "Cidade do Trolóró" ou "Red Light City". Sobre esta última falaremos num próximo post.
E é mesmo uma "Bicacity". Até um autocarro a pedais passou por mim, como podem ver na foto. E um "ferry" ajouzado delas. E bicicletas por todo o lado... Estacionadas às centenas junto aos canais, aos milhares nos parques de estacionamento principais e aos milhões na rua a tentarem passar-lhes por cima... Não tenham ilusões: os holandeses passam-lhes mesmo por cima, sem dó nem piedade! Aquele passeio bem nivelado por onde vocês caminham romanticamente à beira de um canal é provavelmente uma pista para as bicas, portanto estão a segundos de serem passados a ferro. E os donos das bicicletas ainda vão ficar ofendidos! A não ser que fosse o dono da bicleta hippy da foto...

Isto das bicas trouxe-me à memória o que me contou um taxista árabe em... Oslo! É que na capital Norueguesa a malta também anda toda de bicicleta, como já lhes disse. À excepção por vezes de ex-primeiro-ministros a caminho da cerimónia de entrega do prémio Nobel da Paz, que apanham um taxi, como foi o caso a 10 de Dezembro último. Um dos grandes sinais exteriores de riqueza e status em Oslo (para além de apanhar um taxi...) é comprar por milhares de euros uma bicicleta xpto melhor que a do vizinho. É de facto uma excelente ideia, excepto se se for negro retinto, como um certo amigo do taxista de que lhes falo. Africano de sucesso em Oslo, o tal amigo negro comprou uma bicicleta xpto para chegar mais rápido ao emprego (dizia ele, eu acho que foi para fazer inveja ao amigo árabe...). Infelizmente logo na primeira viagem a polícia mandou pará-lo duas vezes. Após duas semanas já o tinham parado dezenas de vezes e chegava cronicamente atrasado a qualquer sítio onde se dirigia... Para a zelosa polícia norueguesa a braços com uma epidemia de roubos de bicicletas parecia óbvio: negro + bica xpto = ladroagem... O pobre homem ainda arranjou uma declaração do vendedor de bicicletas em como ele era o genuíno dono, mas nem isso ajudou. Acabou por vender a bicicleta a um norueguês louro. E provavelmente albino também.

Moral da história: as sociedades holandesa e norueguesa são muito evoluídas. Excepto se o assunto meter bicicletas...

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Yes we can!

Pois podemos, mas não é a mesma coisa. Isto de entrar num "coffee shop" e dizer "ó faz favor" e depois pedir a coisa como se estivesse a pedir um galão não tem tanta piada como estar escondido atrás de um arbusto nas imediações do Café do Tó nos Olivais Sul.

De qualquer maneira foi bem bom despir as vestes e poses de trabalho e calcorrear ruas e
canais de Amsterdão, aspirando o ar perfumado da cidade do mesmo modo que o Presidente da Gringolândia o fizera antes. Aparentemente…

A acordeonista de Amsterdão

Ao frio de Oslo, onde os deixei no post anterior, seguiram-se uma catadupa de voos, sempre com frio e frequentemente com neve, pelo Noroeste da Europa. Começando por Amsterdão, onde cheguei a 10 de Dezembro para passar o fim de semana. Infelizmente as órbitas foram apertadas e só agora tenho tempo para vir aqui pôr a escrita em dia...

Nos próximos posts tentarei falar um pouco sobre esta cidade tão especial, por enquanto deixo-vos com a foto que mais me marcou. Desta vez nem sequer reduzi o tamanho da foto antes de a carregar no post, pelo que se clicarem na imagem vale a pena olharem para o sorriso mais de perto. Que diz muito sobre Amsterdão: um sorriso diurno bonito mas um pouco triste devido ao frio. Há noite a coisa é diferente, nesta cidade única...

domingo, 12 de dezembro de 2010

Liu Xiaobo na neve




Claro que toda a gente associa os Prémios Nobel à Academia de Ciências Sueca, e as cerimonias de entrega dos ditos a Estocolmo... Mas não é sempre assim. O Nobel da Paz é decidido pelo parlamento Norueguês e o Noble Peace Centre encontra-se em Oslo.

Por isso, quando eu na sexta-feira 10 de Dezembro estava a sair do hotel junto ao teatro nacional em Oslo, ali a uns duzentos metros atribuia-se o Prémio Nobel da Paz a uma cadeira vazia. Ou antes, a Liu Xiaobo, que nesse momento estava preso a sete chaves pelo governo chinês, que só o deixou sentar no catre da cela àquela hora... E sem jantar...

Por coincidência lá estava o Asteróide no momento certo a sacar umas fotos raras. No parque em frente havia uma manif, umas poucas dezenas de pessoas a atrair uma data de cameras de TV e jornalistas de vários tipos. Para minha surpresa, não se tratava de um grupo de pombinhos brancos a falar de paz, mas sim uma bem organizada manif contra Liu Xiabo. Os manifestantes iam gritando umas coisas de acordo com a batuta do senhor do megafone, que já estava a olhar para mim com ar desconfiado. Todos os manifestantes eram chineses, muito deles com cabelo à escovinha assim a modos que acabados de sair do quartel. À excepção de um puro nórdico, aqui também fotografado, que os chineses devem ter contratado nas hostes locais mais excêntricas, só para fazer figura. Isto de ter um nórdico a falar contra o Liu Xiabo deve ter saído caro...

Um friozinho de nada...


Em Oslo no final da semana passada acho que bati o recorde... Refiro-me a andar na rua com frio. Pela hora de jantar estariam uns -13ºC quando a tirei a foto das bicicletas, a caminho de um wine bar de que gosto particularmente na zona de Aker Brygge, junto à àgua. As bicas não tinham sido abandonadas ali no Verão, não pensem: os seus donos estavam decerto nas imediações bebendo e rindo dentro de sítios quentinhos de boa comida e melhor bebida. Tudo caríssimo, claro.

Mas se acham esta coisa de ir de bicicleta jantar fora com -13ºC um pouco deslocada, o que dizer das meninas que tinha fotografado minutos antes, na Fridtjof Nansens, de vestidinho de verão, braços e pernas nus, a gritar histéricamente ao entrar para as limusinas??? Valha-me Deus...

Claro que o recorde foi mais tarde, já a sair de um bar não longe do hotel perto do Teatro Nacional. De acordo com várias testemunhas estariam uns -20ºC. Mas nessa altura já estava mais quentinho por dentro e cheguei ao hotel sem ter congelado nenhuma parte do corpo... Claro que não me arrisquei a tirar as luvas para sacar uma foto!

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Portela, estás perdoada...

Poucas semanas atrás estava eu a mandar vir com o facto de no aeroporto da Portela ser quase sempre desembarcado na pista, tendo de apanhar um autocarro para chegar ao terminal. Mas esta revolta começa a ser subsituída por uma certa ternura para com o "meu" aeroporto.


Pois não é que noutros sítios, até em avançadas civilizações como a vikinglândia, também acontece o mesmo?! Com uma diferença apreciável, que talvez vislumbrem na foto, tirada enquanto eu dava pulinhos para chegar das escadas do avião que acabara de deixar até ao autocarro, no aeroporto de Oslo umas horas atrás. É que estavam dez graus abaixo de zero... Chiça... Quero voltar ao asfalto quentinho da Portela bem depressa!

De volta ao frio




O Asteróide voa e voa, mas não consegue ir aonde queria. Esse sítio tão longe que se fará esperar por algum tempo mais. Consciente finalmente que as suas órbita estão limitadas à sua terrena condição, e não conseguindo ir aonde queria nem reencontrar quem queria, voltou ao frio. Eis-me pois de novo na Noruega, depois de cá ter estado antes.
Deixo-vos alguma imagens deste encantador Inverno que chegou antes de tempo, mesmo para os padrões Noruegueses. Em Stavanger, onde estive desde ontem até hoje à tarde, o panorama é de conto de fadas. Hoje de manhã estava o céu azul e o branco da neve refulgia ao sol. O astro, envergonhadamente sempre próximo do horizonte, ao espalhar-se pela neve não deixou de ser amigo. Amigo, por exemplo, dos fotógrafos especializados em disparar pequenas Canon de dentro de taxis em movimento ou de aviões a levantar voo...