sábado, 20 de outubro de 2018

O comboio que não parou no passado

Em Maio o dever levou-me a Brno, na Republica Checa. Bela cidade, com algo de Praga no barroco que por lá se vê. No entanto este post não é sobre Brno, é sobre o local desta foto: tirada do comboio que levava este calhau permanentemente em órbita, ao cruzar a fronteira entre a Republica Checa e a Áustria. Trinta e um anos antes passei no mesmo sítio. Em 1987 o comboio parou naquela terra de ninguém da Cortina de Ferro, podíamos estar noutro planeta que não seria mais aventuroso nem provocaria mais suspense. Com a mochila carregada de cristais da Boémia e demais tralha comprada em Praga, onde vivera uns meses, com a memória ainda fresca das experiência fronteiriças na Alemanha de Leste (aos gritos de "papier, papier!", a noite num comboio teutão incluiu tropa de metralhadora, pastores alemães a ladrar e o meu passaporte cheio de carimbos a voar entre muitas mãos), preparava-me para dores similares ao sair do "outro lado" e voltar ao Ocidente. A tropa checa, no entanto, foi mais dócil: foi representada por uma única senhora fardada que me deixou passar os cristais e umas botas de montanha novinhas sem mais que umas rabugices pouco convincentes. E um sorriso no final.

Pouca-terra, pouca-terra: trinta e um anos depois o mundo mudou. Perdeu-se de aventura o que se ganhou em tempo e aquele momento de tanto significado foi agora uma fracção de segundo num local incerto cruzado a a 100 à hora, sem parar. Afinal, para que é que queremos o tempo?