terça-feira, 25 de agosto de 2009

A terra do Fado do Queixo Espetado

Buenos Aires é de facto uma bela cidade, mesmo no Inverno, pelo pouco que pude ver. Única nas paixões pelo tango e futebol, que não são de facto meros cartazes turísticos… Para além do trabalho, esta estadia de 4ª feira a Sábado da semana passada pouco tempo me deixou para turismo, mas entre o hotel perto do monumento aos caídos na Guerra das Malvinas, perto da Plaza San Martin, e jantares na zona “in” do Madero (uma mistura de Expo – pelos apartamentos ditos chiques ao redor de uma marina, nas margens do Rio da Prata – com as Docas – pelos restaurantes impecáveis e bares noctívagos) sempre fui vislumbrando algo da cidade. Na 6ª feira acabei por roubar um par de horas ao afã habitual para dar um pulo de táxi ao bairro mais castiço: La Boca, onde o tango (tal como a foto acima) nasceu e o famoso estádio da Bombonera , casa do Boca Juniores, se instalou. Na volta fui deixado na rua pedonal chique de La Florida, com as suas loja de couros, livrarias, jóias e, claro, o Harrods (onde decorriam aulas públicas de tango).

Os Argentinos esforçam-se, ao primeiro contacto, para fazer jus ao gozo dos Brasileiros, que entre milhentas anedotas preferem aquela que revela qual o melhor negócio do mundo: comprar um Argentino pelo que ele vale e vendê-lo pelo que ele pensa que vale… No entanto não será bem assim, e como sempre quanto mais tempo se passa com quem quer que seja mais os estereótipos se esbatem. Em algo os Argentinos serão parecidos com os Lusitanos: ambos parecem ser autocríticos em excesso, ao nível da falta de autoestima. Nós sublimamo-lo com o Fado e refugiamo-nos em Sebastianismos, os Argentinos escudam-se numa falsa soberba e sublimam a coisa com o Tango, uma espécie de Fado de queixo espetado para disfarçar a tristeza.

A famosa Praça de Maio, conhecida pelas suas mães (aquelas cujos filhos desapareceram durante a longa noite da ditadura militar nos anos 70) só a vi de raspão, não longe da Casa Rosa, toca da Presidenta actual. Esta faz o turno pelo marido Kirschner, que atingiu o limite de dois mandatos e passou a mulher ao cargo, para o qual foi eleita nas últimas eleições presidenciais. Aqui o Presidente é que manda e o maridão da actual “chefa” deve voltar a votos e ao poder, fintando a Constituição, na próxima eleição. Entretanto a “chefa” adopta um estilo de Pão e Circo, “nacionalizando” as transmissões televisivas de futebol: os contratos com os canais de cabo pagos ou de “pay-per-view” foram cancelados e os canais abertos nacionais passam a transmitir os jogos mais importantes. O povão rejubila, a Presidenta justifica dizendo atoardas (“o sequestro do futebol pelos canais privados era comparável ao dos filhos das Mães da Plaza de Mayo”…) e a caravana passa. Bom, às vezes não passa. Buenos Aires com as suas longas avenidas, parques e edifícios sumptuosos de uma dignidade parisiense engana-nos com facilidade. Principalmente quando pelo meio destas vistas o trânsito flui facilmente, dando-nos a ilusão de estar numa Europa organizada e respeitosa.

O encanto quebra-se quando por exemplo um polícia tenta chegar à cidade, no meio do trânsito infernal de uma via rápida de acesso à metropole, e a isso se soma um qualquer protesto absurdo como por aqui há muito, transtornando ainda mais o caudal de metal impaciente que todos os dias vai e vem, como uma maré. Este polícia naval em particular (um “Perfecto”), dias atrás, tentou escapar-se do viaduto precipitando-se por um acesso local menos recomendável, para os lados do bairro de lata entalado entre o porto e as vias férreas que bordejam o La Plata, em frente às zona mais fina de Belgrano e Recoleta. Saíram-lhe ao caminho dois vultos de armas em punho, que foram corridos a tiro. Resultado: duas garotas de 17 anos atingidas, caídas com as suas pistolas de plástico na mão (esse era pelo menos o rumor inicial), uma delas acabando por morrer. O bairro levantou-se em peso, mais tarde cortou a autoestrada, e eu que não tinha culpa nenhuma vi-me enterrado no carro que me trazia de volta ao hotel, já muito perto do destino, a gastar uma hora para dar a volta à Plaza 28 de Mayo, inundada de camions e autocarros caídos dos viadutos da autoestrada, como dejectos de um esgoto que se parte. Apitos, gritos, e veículos de todos os tamanhos e formatos a misturarem-se uns com outros, em contramão, por cima de passeios, em trajectórias que nem se percebia para onde iam, todos sem dar um milímetro de espaço para qualquer outro passar. A imagem Europeia foi assim soterrada pelo espírito liberto das Pampa, com autocarros, carros e camions com portando-se como corcéis tentando fugir do cercado…

À laia de “até breve”, deixem-me dizer que é minha intenção colocar online os álbuns de fotos desta semana passada no “Cono Sur”, saltitando do Chile para a Argentina. Não prometo é quando…

Um chick já gasto: Vina del Mar, a Quarteira no Pacífico

Muito perto de Valparaíso está Vina del Mar, onde me dirigi mais tarde, no mesmo dia em que vim de Santiago. Ligada a Valparaíso por uma marginal que, mesmo sob chuva, me lembrou de alguma maneira a estrada homónima da linha de Cascais, Vina del Mar deve ter sido em tempos uma espécie de Estoril que se vê agora reduzida a ser uma Quarteira chilena, submergida no Verão por uma massa de turistas de Santiago que se distribuem pelas inúmeras torres de apartamentos mesmo em cima da linha de praia. Bom, fica a foto do Pacífico, mesmo à chuva, fazendo de conta que o cimento não espreitava sobre o meu ombro...

Valparaíso dos funiculares, vítima do Panamá

Condenado a disparar a câmera através de um vidro encharcado, com a falta de luz a provocar fotos desfocadas ao mínimo movimento (e, como sempre, normalmente disparo em movimento...), assim viajei de carro, sorumbático, de Santiago do Chile para Valparaíso. Foram pouco mais de 100 Km dirigindo-me para Oeste através da cordilheira que as separa, até chegar de novo (nos últimos tempos aconteceu-me bastante) às águas do Pacífico. Apesar desta outra barreira também apresentar picos nevados, não chega aos calcanhares dos Andes, que do lado oposto ladeiam o vale onde se aninha Santiago. Durante a viagem nem sequer se dá muito por se atravessar terreno montanhoso.

À medida que nos chegamos a Valparaíso os vinhedos multiplicam-se. Deve ser lindo, mas através da chuva não dá para notar... Deu no entanto para ver o cuidado com que as propriedades promovem a cultura do vinho, com as casas principais das quintas com grandes letreiros anunciando uma preparação para o turismo que a nós ainda nos falta, nesta vertente vinícola. Este turismo baseado no vinho já eu vi bem desenvolvido há mais de 15 anos na África do Sul dos últimos anos de apartheid, na região de Paarl perto do Cabo, mas em Portugal tenho ideia (também não ando muito por cá...) que não se aproveita o tema à mesma escala.

Em Valparaíso mais do mesmo: chuva, com a agravante de me ter deslocado muito a pé depois de largarmos o carro num parque subterrâneo. Valparaíso deve ter o seu quê, com as suas casas de madeira coloridas alcandoradas na falésia, com a primeira linha com vista para o Pacífico ocupada pelas mais luxuosas, numa das quais o famoso poeta Pablo Neruda morou. Pouco se nota já das riquezas passadas, quando Valparaíso era um dos principais portos da costa Oeste das Américas, paragem obrigatória para os navios que ligavam o rico Leste Norte-Americano ao Oeste do continente. Em 1914 o canal do Panamá mudou tudo, e só agora, captando navios de cruzeiro, Valparaíso tenta recuperar algo do seu brilho de outrora.

A costa do Pacífico nesta zona está entalada entre a cordilheira e o mar, sem apresentar sequer grande plataforma continental (logo ao primeiro passo deve perder-se o pé e dois metros à frente devemos ter um abismo aquático). Não é portanto de estranhar que a Valparaíso original, mais antiga, pareça "pendurada" nas alturas, enquanto que a zona mais moderna do centro se espraia em terrenos conquistados ao mar. Não tive tempo para explorar essa área, considerada Património da Humanidade, mas ainda deu para apanhar um dos ex-libris da cidade: um funicular (há vários), cujo ar vetusto não era só uma patine chic: a coisa estava mesmo com ar decrépito e dei-me feliz por subir e descer a salvo! Já agora, vi de novo em Valparaíso algo que não via desde a juventude, uma espécie que penso estar extinta em Portugal: trolleys, iguaizinhos aos do Porto de h+a muitos anos. Destes já não há mais...

Para que não seja só chuva e sombras desfocadas, deixo-vos o único sorriso dessa tristonha passagem por Valparaíso, captado de raspão como sempre.

Santiago, a Teerão dos Andes


Nos dias que passei em Santiago do Chile na semana passada uma chuva fria e desoladora decidiu assombrar a minha augusta presença quase todo o tempo. E se o próprio guia (em francês, o único sobre o Chile que consegui comprar em Portugal antes de voar para lá dos Andes) que me acompanhava já não prometia grande coisa sobre a cidade, então com o clima verdadeiramente invernoso desta altura no hemisfério Sul o resultado é uma colheita pouco brilhante de material aqui para o Asteróide. Sim, sim, lá dizia o Geógrafo que este é um planeta de boa reputação, mas Santiago do Chile sob chuva e frio (recentemente nevara) não é dos melhores exemplos. Estou provavelmente a ser injusto, mas não gosto mesmo de chuva com frio...

Sempre tive uma curiosidade especial pelo Chile, e penso que a vou manter, pois esta passagem de pouco mais de 3 dias não contribuiu para matar tal desejo. Das imagens de Santiago que revejo agora,´muito poucas se destacam: uma foto mais da vista de um quarto de hotel para juntar à colecção, uma única piscadela insólita da objectiva ao ultrapassar uma carroça numa autoestrada, com o seu cão "gitano" saltitando ao lado da pileca de serviço, umas fotos de umas esquinas do tristemente famoso La Moneda, o palácio presidencial onde Salvador Allende encontrou a morte, nesse outro 11 de Setembro (o de 1973) que viu Pinochet chegar ao poder e, finalmente, a foto que que ilustra este post, e que mais me maravilhou: os albos gigantes que ladeiam Santiado a Leste, nada menos que os Andes, parcendo esmagados sob o peso das neves eternas mais as próprias do Inverno que passa. A menos de 45 minutos de carro de Santiago podemos chegar a estancias de esqui, mas não é por isso que escolhi esta foto. A razão é a maneira como a maneira como Santiago se aninha sob os Andes me fez lembrar a cidade de Teerão, outra visita de há uns anos largis que está por aqui noutro post. Santiago está para os Andes como Teerão está para as montanhas Alborz que lhe protegem o flanco Norte.