quinta-feira, 25 de setembro de 2008

O que não vi em Hamburgo


A resposta ao título é simples: não vi nada... Nem esta semana, em que tenho estado por estas bandas, nem das outras vezes nos últimos anos, a caminho do mar Báltico ou em visitas flash para reuniões apressadas ou jantares relâmpago.

Estou num hotel mais retirado, e a chuva do primeiro dia não me deu vontade de nada mais que não enfrascar-me com uns amigos no "portuguese quarter", uma zona cheia de animados restaurantes, ao jantar. Jantámos num rodízio brasileiro e fomos servidos por um total de uns seis meninos e meninas. A última era gorducha e quando lhe perguntei de onde era disse, estranhamente: Berlim! De facto curioso, porque todos os outros, malta nova, eram... portugueses! Bom, tinha de haver uma razão para as vizinhanças se chamarem "portuguese quarter"...

Apesar da primeira noite chuvosa, ontem e hoje tem estado um sol radioso. E mais uma vez verifiquei, no breve trajecto de taxi matinal e no regresso ao hotel ao fim da tarde (para me encafuar a escrever emails e a trabalhar afanosamente...), que a cidade é decerto encantadora. Achei piada à foto que podem ver, porque é parecida com uma recentemente tirada em Londres e igualmente improvável devido ao céu azul! Nem vale a pena dizer que sítio da cidade estava a atravessar e que góticos pináculos vislumbrava ao fundo, pois estaria a papaguear coisas de mapas e de guias em vez de as sentir. Talvez um dia possa ver Hamburgo com olhos de gente e então voltarei aqui ao Asteróide com algo mais interessante para dizer.

Entretanto já me irritei: este é o primeiro hotel no mundo em que deixo a camisa para lavar, dentro do saquinho próprio e com o papel preenchido, em cima da cama, de manhã, e chegado ao final do dia vejo que... a camisa suja continua lá, dentro do mesmo saco e ninguém tratou dela! Entrou em acção o melhor e o pior dos alemães: a recepcionista, ao telefone, informou que "teria de ter entregue a camisa na recepção"... E eu, cortante e agreste, dei ordem para se desenrascarem, pois o acontecimento era rídiculo! Resultou, os alemães são excelentes a obedecer a ordens: dentro de 5 minutos tinha a mestra da lavandaria a bater à porta, e passados 30 minutos tinha a camisa lavada e engomada de volta! Mas tive de ouvir primeiro a recepcionista a cumprir o dever solene de me informar que não tinham seguro, pelo que se a máquina de lavar ardesse eles não me pagariam uma camisa nova... Por amor de Deus!

domingo, 7 de setembro de 2008

Sobre expats, foreign workers e Ferraris

De volta à Cidade do Leão e prestes a voar para o Vietname de novo. O silêncio ensurdecedor do Asteróide teria que ser quebrado, e parece-me adequado fazê-lo estando aqui em Singapura, que é uma espécie de segunda casa para mim. Tem sido estranho, por estar num hotel em vez de estar em minha casa...Mas foi óptimo revêr amigos, voltar a guiar nesta bem organizadinha Legolândia, apanhar a AYE de manhã direito a Tuas, visitar clientes, ler o Straits Times, ir ás compras na Orchard Road (por exemplo para me lambuzar de livros na épica livraria Kinokuniya no Takashimaya...). Aqui parece que o tempo estica: trabalha-se afanosamente, eu ao ritmo de dois fusos horários diferentes, a modos que trabalhando dois turnos, mas ainda sobra tempo para os pequenos prazeres.

Singapura vive estes dias sob o signo da Fórmula 1. Nota-se nas muitas obras barulhentas que ladeiam a Orchard e a zona do Marina Square e da Esplanade onde os bólides vão rugir já no dia 28 deste mês, pela primeira vez aqui. Também será a primeira corrida de Fórmula 1 que decorrerá à noite, na história da modalidade. As avenidas ao longo das quais se fará o percurso da corrida já estão em grande parte ladeadas com as familiares vedações que ainda recentemente vira no Mónaco, no rescaldo do último GP aí disputado. Já estarei em Lisboa por essa altura. Quanto aos Singapurianos, não parecem muito entusiasmados. Só os Ang Mo (os brancolas...) parecem mais interessados. 

Os jornais e as rádios continuam a transmitir doses interessantes de acontecimentos locais. É o caso de vinte amigos de Singapura que foram passear de carro pela autoestrada Norte-Sul, que liga aqui o burgo a Kuala Lumpur ao longo de trezentos e tal quilómetros. Foram alvos de tentativas de abalroamento e um acabou mesmo por ser parado, levar um estalo, ficar a sangrar do nariz e sem a carteira... Mas que raio de notícia mais estúpida, dirão vocês! Acontece que os ladrões usaram um bruto Mercedes de alta cilindrada. E os tais amigos, na sua maioria,  iam cada um montado num Ferrari! Enquanto lia este fait-divers a beber o meu expresso num Starbucks da Orchard, hoje de manhã, passaram por mim uns cinco minutos, três Lamborginis e dois Class S... 

A mais recente polémica que tem invadido as notícias nas rádios e jornais nasceu com os planos para a criação de novos dormitórios para "foreign workers" num de muitos bairros de classe média aqui de Singapura. Vale a pena notar que existem aqui duas expressões para imigrantes: “foreign workers” e “expats” (esta última expressão é a abreviatura para “expatriates”). A distância entre ambas as expressões é de dois mundos, ou seja, a que vai do terceiro mundo ao primeiro mundo. Eu, por exemplo: fui um expat durante dois anos aqui em Singapura. O indiano que está a cozer dentro de um navio a soldar uma chapa é um “foreign worker”.

Os “expats” são normalmente esbranquiçados, ganham altos salários e beneficiam Singapura (nem que seja a esturrar dinheiro nas compras…). Toda a gente quer ter um expat como vizinho! Tão sorridentes, simpáticos, com ar próspero! Na realidade o som “expat” define tudo: é um nobre ser que com grande sacrifício foi “expatriado” para cumprir a sua função longe da família. Vêm de Londres, Paris, Melbourne, Olivais Sul…

O “foreign worker” é um elemento completamente diferente e indesejado. São muito mais escuros (normalmente…) e vêm de sítios chamados Narayanganj, Tiruvadanai ou Mantanao… Mas sem eles a Lyon City pararia e morria! Quem arranjaria os jardins, morejaria nas obras, suaria nos estaleiros, limparia o lixo? Os "foreign workers" já ultrapassam os 700,000 aqui em Singapura, para uma população de singapurianos aí pelos 4,5 milhões! Em Portugal, a mesma proporção resultaria em quase dois milhões de "foreign workers"...

Singapura tem tido algum sucesso a esconder os dormitórios aí pelos pedaços de selva que ainda restam, ou nas zonas industriais. Conheço quem se tenha dedicado com ferocidade a este nicho de negócio, engavetando milhares de trabalhadores no mínimo espaço possível (mas cumprindo requisitos mínimos impostos pelo governo) e cobrando pelo alojamento e refeições às entidades empregadoras. Mas o espaço não estica, principalmente em Singapura, e zonas mais urbanas passaram a ter vizinhos diferentes do que estavam habituados. Apesar de estes não terem muito dinheiro para se mostrarem muito, nem tempo para além de dormir e descansar devidamente, são vistos a fazer aquilo que todos aqui faziam abundantemente à 50 anos e agora acham impossível de testemunhar: cuspir para o chão, mijar nas esquinas escuras, embebedarem-se na rua… E as famílias respeitáveis? O que acontecerá quando forem de fim-de-semana e deixarem para trás a “made” filipina? É mais que certo que algum bangladeshi acabará a conspurcar os lençóis de cetim do quarto do casal!

Mas sabem que mais: estes clamores locais, a malta com “medo”, e “pruridos olfactivos”, é tudo uma grande treta! Na realidade o que preocupa o pessoal é o bago, a massa, o pilim! É que nos últimos 2 anos a febre imobiliária tem sido total, os locais compraram apartamentos para vender passado meses com 50% de lucro e foram viver para cochichos sub-alugados em arrabaldes como Jurong para poderem alugar o seu apartamento num condomínio chic a Ang Mos como eu, recebendo fortunas em rendas que duplicam cada ano e meio! E o que acontece àquela magnífica casa de dois milhões de dólares singapurianos (cerca de um milhão de euros) se lhe espetarem com 3000 bangladeshis a 50 metros de distância? Passa a ser um pardieiro a evitar, que talvez alguém mais distraído compre por uns 800,000 dólares… É que apesar de qualquer comparação ser mera coincidência, os locais sentem um dormitório para "foreign workers" como em Portugal se sente a Quinta da Fonte!