terça-feira, 22 de junho de 2010

Nas vinhas da Boa Esperança muito antes dos sete-a-zero


O prometido é devido e cá estou montado de novo na máquina do tempo, de volta ao ano da graça de 1992 e aos locais onde a nossa selecção vai jogando o Mundial 2010. Eis-me na Cidade do Cabo, dezoito anos atrás, a fotografar a estátua de Bartolomeu Dias. E registando a toponímia pitoresca da cidade, aludindo a outra personagem Lusa de memória bem mais controversa (no mínimo...). Creio que a estátua ainda lá está, quanto ao outro não sei.

Quando dobrou o ex-Cabo das Tormentas em finais de 1487, o senhor da estátua ainda não sabia que 523 anos depois outros Navegadores lhe dariam uma abada na internet, seguramente muito mais lidos, conhecidos e reconhecidos pelo Tuga médio do que o nosso Bartolomeu Dias, graças aos sete-a-zero aplicados à Coreia do Norte ontem. Para todos os Navegadores, os de hoje e os de há quinhentos anos, os parabéns agradecidos do Asteróide.

Quanto a este, teve uma passagem mais modesta pelo local em 1992. Depois de ter passado uns dias em Port Elisabeth (Portugal 0 - Costa do Marfim 0, a semana passada), zarpou para a Cidade do Cabo (Portugal 7 - Coreia do Norte 0) onde passou uma temporada bem agradável, fez amigos e tentou perceber melhor o que se passava naquela terra numa altura em que o Mandela já tinha sido libertado, o De Klerk roía as unhas e o apartheid começava a ruir. Os brancos estavam nervosos, e com razão. Em Port Elisabeth eu tinha visto multidões de desempregados em esquinas escolhidas, esperando por um "empregador" que colhesse um ou dois para qualquer biscate. As empresas que ia visitando pareciam sem excepção verdadeiros Colditz , ensombradas por muros altos encimados por arames farpados e vigiadas por guardas armados. Na Cidade do Cabo os transportes públicos estavam entregues a um enxame de Toyotas Hiace pejados de gente que de forma um pouco anárquica iam daqui para ali até que todos tivessem chegado a um destino. Em contrapartida um jovem branco com uma função equivalente à minha, na altura, andava de Mercedes. Em Portugal acho que ainda guiava o Renault Super 5 da empresa. Super, atenção. Ou já era o Peugeot 309? De qualquer forma estava a uns 100 cavalos de distância do meu colega Afrikaans. Um casal Sul Africano de amigos, estes anglo-saxónicos e com filhas pequenas, moravam numa magnífica vivenda nos suburbios. Um "american dream" em África, para todos os brancos. Um outro casal, mas este de amigas, demonstravam como a sociedade branca da África do Sul no início dos anos 90 já era de certa forma tolerante e mais evoluída do que Portugal na mesma altura. Claro que falamos do Cabo, e não das paisagens Afrikaans muito mais conservadoras. No Cabo passeava pela Waterfront recém-inaugurada, algo parecido com as nossas "Docas" com uma década de avanço.

Resumindo: sentia-se o pulsar de um país cheio de força, mas cheirava a pólvora... Nos arredores do Cabo passeei pela região vinícola de Paarl, um paraíso com uma "cultura de vinho" ao serviço do turismo que só agora começamos a capitalizar em Portugal. Em Dezembro de 1992 provei em Paarl uma série de vinhos do mesmo ano: as vindimas tinham sido em Março... Enquanto o vinho escorregava não podia deixar de sentir um aperto, uma sensação de cataclismo iminente, de fim de época.
Hoje estamos em 2010. O Mundial de futebol tem lugar na África do Sul e o Cristiano Ronaldo finalmente marcou pela selecção. A África do Sul não implodiu. Um milagre aconteceu. E esse milagre tem um nome: Mandela. Quando hoje me sento no sofá a ver futebol e me lembro da minha experiência em 1992, não tenho dúvidas: um milagre. Negros, mestiços e brancos da África do Sul (principalmente estes últimos!) ficarão para sempre gratos ao feito de Madiba. O futuro continua incerto, mas pelo menos uma geração foi salva.
Até breve: sexta-feira chegaremos a Durban, ao quente e húmido Índico onde defrontaremos o Brasil!

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