domingo, 23 de setembro de 2012

Terras do sultão que nos tramou



De Singapura para a Malásia é um pulinho, à distância de um cacilheiro ou de uma travessia de uma ponte (há duas disponíveis). Deve-se evitar a fronteira no sentido Malásia - Singapura todas as manhãs quando uma horda de trabalhadores nas suas zundapps V50 (as motos serão de todas as marcas e maioritariamente japonesas, só uso o termo zundapp como analogia para o leitor português...) inunda a cidade-estado vinda de Johor Bahru, a cidade siamesa de Singapura do outro lado da fronteira. Vão trabalhar nos estaleiros, na construção civil e em todas as outras frentes de labuta onde nenhum singapurense está disponível para batalhar e para as quais se necessita qualificação para lá da que se encontra na força de trabalho chinesa, indiana, nepalesa ou bangladeshi que se importou e mantém armazenada nos dormitórios das imediações dos estaleiros. As motos parecem um tsunami e espalham-se pelas impecáveis autoestradas de Singapura como uma instantânea enxurrada. O incauto turista ou viajante de negócios também deve evitar a mesma fronteira no sentido oposto ao final do dia, onde a maré de força laboral se esvazia em sentido oposto. Os picos das marés dão-se às segundas-feiras de manhã para entrar em Singapura e nas sextas-feiras à noite para sair, pois há quem fique na cidade-rica durante a semana.

Para além da maré laboral montada em motos, temos outras horas de ponta a evitar. Para quem entra na Malásia de carro, como eu na semana que acabou , exige-se evitar as sextas feiras não só pelas motos mas também, e principalmente, pelos carros. Refiro-me aos série 7 (uma espécie de carro do povo em Singapura), Ferraris, Maseratis, Mercedes ou qualquer outro de pinta luxuosa que atravessam a fronteira direitos a destinos de fim de semana, sejam eles praia, campo ou cidade. Muitos deles vão pelo gozo de acelerar as máquinas para lá dos 250 Km/h na autoestrada de 400 km que une Johor a Kuala Lumpur. Por vezes unem-se em matilhas monomarca e não se preocupam se tiverem que untar as mãos a um polícia malaio. O que é isso comparado com o que lhes aconteceria em Singapura! Cordeirinhos em Singapura, transformam-se em lobos assim que cruzam a "causeway"... Claro que nos Domingos à noite as matilhas de alta cilindrada regressam e a fronteira volta a ser uma passagem a evitar.

Johor Bahru, a grande cidade do estado de Johor, não terá melhorado em estado de espírito desde há quatrocentos anos atrás. Sim, Johor foi o sultanato que nos tramou quando se aliou com os holandeses para nos correrem de Malaca e a sua maior cidade é hoje uma "sin city" muçulmana, coisa bárbara de se ver. Corrompida pela riqueza de Singapura ao mesmo tempo que tenta mostrar uma imagem moderna perante o brilho da cidade siamesa (mas tudo menos idêntica...). Aos arranha céus que também ostenta e às vias rápidas labirínticas soma agora a Zon, uma espécie de Docas duty-free com hotéis aceitáveis num "water-front" com restaurantes, bares manhosos e jovens malaias de mini-saia. No entanto tudo tem uma patine desgastada, pouco sofisticada e conservadora que a faz parecer uma caricatura má de Singapura. O meu hotel em Johor Bahru talvez tenha sido de cinco estrelas há muitos anos, com quartos enormes e todo o equipamento e funcionalidades... dos anos oitenta, depois de se avariarem ao longo dos anos e estarem sebentas pelo uso.

Ficam as fotos, não da cidade corrompida (Johor Bahru é a cidade com os mais elevados índices de crime na Malásia) mas sim das suas margens com vista para Singapura, onde o verdadeiro espírito original do local ainda se pode ver nas redes dos pescadores, aparentemente desapercebidos do cimento decadente que cresceu ali ao lado.

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