segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Onde se fala de hidrogénio e do Português do Ceilão


Onde? Em Berlim. Acabado de desembarcar no Brandenburg, o mais recente aeroporto da capital alemã, eis-me pela primeira vez a apanhar um Uber neste país. Sim, os taxistas têm conseguido evitar a invasão na maior parte da nação, mas aqui na cosmopolita Berlim não tiveram sorte.

E que Uber: a minha primeira viagem num carro movido a hidrogénio. O Toyota Mirai ‘fuel cell’, assim se chama, gasta um quilograma de hidrogénio que custa 15 euros para percorrer 120 Km. Com a gasolina actualmente a 1.8 EUR/L e consumo de 7L/100 o custo de 120 Km seria… por volta de 15 EUR também!


Enquanto consumia o hidrogénio, Kapilan, o simpático condutor da Uber que me calhou, lá tentava arranhar o Inglês. Conseguiu dizer que era do Sri Lanka, levando-me a exclamar ‘Ceilão!’. Arranquei-lhe assim um grande sorriso e mais conversa, agora sobre certas palavras da sua lingua nativa (Tamil). Do encontro dos nossos povos há séculos atrás nasceram no Ceilão e sul da India palavras com raizes portuguesas: ‘janela’ e ‘armário’ ou algo parecido. Na boca do Kapilan soaram muito parecidas, embora com nuances que resultam do desgastes de séculos sob outro céu…. De qualquer modo, entre o sotaque Tamil e o gutural Alemão que aprendeu nos últimos dez anos, prefiro o que mais se parece com o Português .

domingo, 10 de janeiro de 2021

A verdadeira América


Assim passou o ano de 2020 sem um único post no Asteróide. Por razões óbvias. Só mesmo uma pandemia para calar o Asteróide... Na realidade, foi mais um protesto: esse ano não mereceu ser lembrado aqui.

Para começar um 2021 que nos trouxe inquietantes acontecimentos dos Estados Unidos, nada como relembrar um post nunca publicado de 2013 - quando o Asteróide calcorreava as estradas da América. Nesta foto, algures entre a Carolina do Norte e Virgínia, estava pacientemente à espera que desempanassem um enorme semi-reboque, que tinha ficado encalhado na estrada. Na foto, o meu filho à esquerda, o dono do carro da frente e eu assistíamos em amena cavaqueira. O resto da família esperava no carro. O barrigudo companheiro de estrada fala orgulhosamente do seu bisavô, soldado confederado do lado perdedor da Guerra Civil americana. Ele próprio, casado com uma senhora que é de origem cherokee-irlandesa, não mostrou qualquer sinal de atavismo sulista. Na realidade, ao saber que eramos portugueses, recordou com satisfação um recente repasto na sua terra, ali perto: um magnífico churrasco de porco no liceu, numa festa do seu amigo Ferreira, casado com uma havaiana.

E foi assim, na América em 2013. Passados 8 anos, decerto ainda mais diversa e enriquecida por todas as culturas, ideias e influências que recebe, passa pelas dores desta mudança. Sejamos positivos e tenhamos esperança na "melhor nação de sempre", feita por todos nós, cada vez mais. Que os ruídos recentes que chegaram do capitólio sejam só os estertores de algo que, na realidade, já não existe. A América é nova, sempre foi e sempre será.



segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Náufragos

A minha lembrança dos construtores de miniaturas de barcos em Saigão é maravilhosa. Uma extensa rua cheia de vários artistas, com lojas estreitas e profundas cheias de belos modelos, perfeitos na sua minúcia, desde veleiros históricos a barcos de corrida clássicos. Cá fora, os donos das lojas eram vistos em plena ação construtiva. Por aqui perdi horas e há muitos anos comprei uma miniatura do ‘Normandie’ em madeira, um paquete dos anos 30 - que ainda hoje está lá em casa em cima de um piano ainda mais velho, só saindo no Natal para dar lugar ao presépio. Já me tinha interrogado onde poderia reencontrar-me com essa rua acriançada de tão boas memórias mas nem São Google me ajudou. Hoje encontrei o sítio quase por acaso, aqui mesmo ao lado do hotel a tomar café com um amigo vietnamita de outros tempos. ‘Lembras-te daquela loja onde compraste o barco?’. Tinha acabado de ficar descalço por 50,000 dongs (dois euritos), o jovem engraxador levando-me os sapatos e passando-me uns chinelos temporários e quando levantei a cabeça fui assolado por uma sensação de ‘deja-vu’: a ‘minha’ loja estava ali a 50 metros, tal como me lembrava dela e as fotos relatam. Mas estava só, a última sobrevivente de uma nobre linhagem, ali mesmo por trás da ópera de Saigão. O prédio antigo já rodeado de edificios modernos, as velas dos veleiros ainda enfunadas - mas por quanto tempo mais? Todos os vizinhos, aqueles lobos do mar de mãos encanecidas, são agora náufragos de uma cidade em profunda mudança.




domingo, 13 de janeiro de 2019

Muita-terra, muita-terra

Quando o nosso comboio SE1 provindo de Hanoi parou na estação de Saigão esta manhã, o Asteróide e a sua lua (o meu filho...)  completaram um périplo de 16.573 Km sempre em carris, desde Lisboa. Estou sem palavras. Esta aventura ainda não acaba aqui, mas os carris sim. Daqui até ao destino final da órbita em curso temos de nos arranjar sem comboio. 



1726 Km

1726 qulilómetros foi a distância da linha de comboio que marcou a órbita do Asteróide nas últimos duas noites e um dia de sol a sol. Foi o SE1, ronceiro, que nos levou de Norte para Sul, de Hanoi para Saigão, aqui no Vietname. Nublado no início mas depois com abertas, as primeiras horas após o primeiro despertar encheram-se de verde-arrozal, castanho-búfalo e branco-garça. Sobre as cores dominantes  viam-se pontinhos amarelos (as senhoras de chapéu circular em bico) ou negros (os homens em cabelo) nos seus afãs nos campos. Por vezes semeavam arroz em gestos largos, outras aravam a terra com a ajuda de um búfalo ou tractores onde as rodas eram grandes pás para se aguentarem nas zonas alagadas.
Mais à frente juntou-se o azul-mar. As vistas mais dramáticas estavam guardadas para o percurso entre Hué e Da Nang (uma cidade grande e estância turística de belas praias). Foi um momento marcante, quando vimos o mar de novo depois de tanta, mas tanta, terra, nas órbitas encetadas desde o dia de Natal do ano passado, quando nos metemos num comboio na Gare do oriente em Lisboa. Os quilómetros que antecedem a chegada a Da Nang são feitos a passo de caracol, com o comboio a gemer e a bater enquanto se arrasta a 30 Km/h sobre uma velha linha num morro sobre o mar, entalada entre a muralha verde da selva e o abismo com as água lá embaixo. Lá ao longe vê-se a cidade do outro lado da baía do mesmo nome, aguardando que ronceiramente se percorra todo o perímetro até lá. Aqui e ali esconde-se o areal de uma praia. Por vezes passamos imas casotas onde funcionários dos caminhos de ferro acenam com umas bandeirinhas, a fazerem de semáforos. E aquele comboi que vêem lá ao longe enterrado na selva? É o nosso SE1, uma lagarta interminável, que nas curvas assoma lá ao longe enquanto nos arrasta para dentro do verde para não nos deixar cair no azul. Ficam as imagens, melhores que mil palavras.











Hanoi pot-pourri

Hanoi não desapontou: um festival de cor, uma cacofonia de apitadelas e vozes, mares de motas e bicicletas, milhares de negócios caseiros lado a lado com lojas chic. Fica o pot-pourri de imagens. Deste caldo emergem momentos e locais serenos, como nas lagoas ou nos templos Taoistas. E até ‘coletes amarelos’ (perdão, vermelhos), que não entendi se estavam ali a protestar ou a vemder alguma coisa... Sem som...










sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Baguette

Oh la la, a baguette, famosa instituição vietnamita... É bom estar de volta ao meu querido Vietname, e para mais sem ser em trabalho. Chegámos a Hanoi de madrugada, cinco e picos da manhã, numa estação decrépita nos arredores aparentemente reservada apenas para os comboios que vêm da China. Aqui no Vietname também têm um pouco aquela coisa ‘nem bons ventos...’ - relativamente à China. Ao fundo da plataforma, ao ver-nos rolando e carregando a bagagem, um grupinho de taxista já se amontoa a oferecer os seus serviço. Em volta, senhoras vendem cartões SIM para o telemóvel - que não devem estar registados. Acordamos o preço com um dos taxistas, que nos faz entrar no único dos taxis estacionados - que não era um taxi... mas lá chegámos ao destino, um anódino mas confortável hotel Mercure onde durante o dia teremos um quarto para um duche, café italiano (mas porquê, quando o café vietnamita é o melhor do mundo?!) e baguette de... Isso. Até os asteróides anseiam por ser luas de um planeta conhecido aqui e ali - mas não por demasiado tempo. Não tarda estará nas ruas de Hanói para explorar a cidade durante as cerca de 14 horas de órbita estável, antes de ser atraído pela gravidade do próximo comboio.


Zhuang

Zhuang é uma das cinquenta  e seis nacionalidades reconhecidas pela Republica Popular da China. É a nacionalidade da Lulu, que com a sua filha pequenita  são vizinhas do Asteróide aqui no comboio de Pequim para Nanning. Um chinês de poucas palavras que ia no beliche de cima saiu numa estação uns 100 km atrás. Boas notícias para a nossa vizinha pequenina, que agora bem acordada já saltita pelo nosso compartimento. Continuamos para Sul, a caminho de Nanning onde não pára de chover há seis meses segundo a Lulu, que se comunica usando uma app de tradução automática no seu smart phone. É uma autêntica nacionalista Zhuang, não se cansand de mostrar fotos e videos coloridos da festa do Dia Nacional de Zhuang em Nanning. Mais tarde um polícia chinês usaria semelhante apo com reconhecimento de voz, na fronteira (enquanto outro me filmava para prescutar emoções, creio...) para me dizer que quando chegasse ao Vietname estaria ilegal porque o veu visto só começaria uma hora após a chegada devido à mudança horária. Mas isso são histórias para o facebook...


A paisagem foi mudando, aquecendo e humedecendo. Perto de Nanning já íanos nos 11 graus e chovia. As últimas centenas de quilómetros já revelaram arrozais, plantações que pareciam chá, umas bananeiras aqui e ali - e muita água: em rios, lagos e campos alagados. Depois da branca Sibéria, do Gobi amarelo e da Pequim liofilizada de tão seca, que diferença!

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

O templo da batota

O complexo do Templo do Céu, construído na mesma altura da Cidade Proíbida, conta com vários templos taoistas espalhados num parque com vasta área ajardinada. Foi outra maravilha que mereceu um desvio da órbita, ontem em Pequim. Turisticamente o ponto alto é o templo das Boas Colheitas, mas desse e doutros não reza esta história. O ponto G do Templo do Céu são umas arcadas, do lado Leste do complexo, onde uma multidão de chineses comuns, na maioria de idade relativamente avançada, se dedica à batota: com cartas, tabuleiros, polícias, ou o que quer que estiver à mão. Acho que até entrevi um dominó. Um sítio alegre!





A vizinha portuguesa

Falo da igreja cristã que intrigava o Asteróide, na nossa rua aqui a dois passos do hotel em Pequim: a Igreja Católica de São José em Wangfujing. Com missas em chinês às seis da manhã e em inglês em dias da semana fora da órbita passageira de três dias, infelizmente não se pôde visitar por dentro. Foi construída pelo missionário jesuíta português An Wensi (provavelmente o nome chinês dado ao nosso compatriota, do qual não consegui saber o nome lusitano) juntamente com um colega italiano. Pregavam pela China em meados do século XVI,  últimos anos da dinastia Ming - um momento excelente para aventuras. Andaram em bolandas, entre exércitos camponeses revolucionários (muito à frente...), príncipes e imperadores de duas dinastias. Encontra-se uma história longuíssima em chinês num comentário ao local no google maps, que pode ser lido numa tradução automática muito aceitável do Google. É daí que tiro estes apontamentos. As aventuras  envolveram o general camponês Zhang Xianzhong, o principe Haoge, o chefe da Missão do Norte dos jesuítas, Fu Panji, o imperador Shunzhi da dinastia Qing e muitos outros. Os nossos dois heróis acabaram por fundar a igreja em 1551. A sua história inclui muito drama também: terramotos, incêndios e guerras. Durante a revolução dos boxers no princípio do século XX, em que a população chinesa se amotinou contra os ingleses, tudo o que era ocidental levou por tabela: deitaram fogo à igreja com muitos católicos lá dentro. Em 1905 estava de novo de pé, com a mesma planta e geometria, graças à iniciativa de da Irlanda e da França. É esse o ano que está gravado na igreja de hoje, que fotografámos hoje de manhã e ontem à noite - com cruzes que parecem ortodoxas e uma estrela de david na árvore de natal. Uma mensagem portuguesa de dialogo ecuménico?





Americanismos

O Asteróide não resiste a livrarias. Mesmo aquelas que são do estado, na China (em Pequim neste caso), com os livros integralmente em chinês. Muitas capas ostentam os títulos em chinês e inglês. Mas o estrangeirismo fica por aí: todas as páginas são em chinês. No entanto, ficam as imagens de uma seção muito interessante (quiçá chamada ‘política internacional’, ou ‘estudando o inimigo?). Reagan, Roosevelt e muitos outros por ali andam. O Mc Arthur  é o que mais sentido faz - até pelos tiques...






domingo, 6 de janeiro de 2019

Algures no Gobi

Sain-Shanda parece um sítio esquecido. À volta da estação só o deserto da palha rasteira, como o Gobi aqui se poderia chamar. Ao centro o nosso comboio. Por trás uma avenida perpendicular à linha que liga a um pequeno grupo de casas. A paragem do Transiberiano durou 20 minutos, havendo  tempo para selfies, fotografar a fogosa locomotiva mongol que nos puxa e um apanhado de um bebedolas a dormir dentro da pequena estação. Ah, e mais Toyota Prius, aparentemente o carro mais comim na Mongólia. Quanto ao frio, ainda racha mas já não parte. São capazes de estar uns calorosos -10C, com ventinho do deserto. Quando anoitecer baixará para os -25 ou menos...